Tematização da Prática

A tematização da prática


FORMAÇÃO DE PROFESSORES: AQUISIÇÃO DE CONCEITOS OU COMPETÊNCIAS?

Regina Scarpa Leite
Formar-se, não é instruir-se; é antes de mais nada refletir, pensar numa experiência vivida (...) formar-se é aprender a construir uma distância face ã sua própria experiência de vida, é aprender a contá-la através de palavras, é ser capaz de a conceitualizar (Remy Hess)
Se fizermos uma descrição da problemática da formação permanente de professores, hoje, em nosso país, talvez não seja exagerado dizer que vivemos um impasse expresso na opinião entre as expectativas dos formadores de professores e dos próprios professores em relação a esse processo e ao papel que nele os dois grupos desempenham.
Assim, no centro deste quadro, temos o desencontro de pontos de vista peculiares às atividades específicas desses dois grupos comprometidos com a educação brasileira. De um lado, os formadores apontam como principal empecilho para o seu trabalho a desqualificação do professor. Essa opinião, com frequência, manifesta-se em comentários do tipo " o professor não compreende o discurso acadêmico", "o professor só quer receitas". Por outro lado, há a queixa muito comum dos professores de que os cursos de formação são muito teóricos e pouco têm auxiliado a provocar transformações em suas práticas pedagógicas no cotidiano da sala de aula.
O que há por trás dessa polêmica? Por que esse antagonismo e essa mútua insatisfação? Como ultrapassar essa situação, principalmente em tempos de nova LDB, quando a formação de professores é um tema chave? Responder a essas perguntas é evidenciar uma relação lógica: as modalidades de formação vigentes resultam tanto de concepções de ensino e aprendizagem quanto de formas de definir a profissão docente. Entretanto, há questões fundamentais permeando essa relação, aparentemente simples, entre idéias e formas de conceber os projetos de formação, que merecem ser examinadas.
De fato, sabe-se que a maioria das atividades de formação como seminários, cursos e palestras enfatizam a transmissão de conteúdos e que, formar o professor tem sido tratado como sinônimo de colocá-lo a par das últimas pesquisas, isto é, torná-lo destinatário da divulgação de conhecimentos acadêmicos, como se, com isso, as práticas pedagógicas fossem automaticamente transformadas.
No entanto, como é preciso encontrar meios de viabilizá-la efetivamente, a formação permanente é um tema que tem sido muito discutido atualmente no mundo todo. Vários estudos e práticas estão sugerindo saber do professor eles não incidem necessariamente em seu saber fazer, isto é, na transformação efetiva de sua prática em sala de aula, pois deixam de lado um tipo de conhecimento imprescindível para a prática docente. Apontam também a necessidade de considerar o professor como um profissional autônomo que desenvolve o seu conhecimento no próprio processo de construção e reconstrução de sua prática reflexiva.
A reflexão é o conceito mais utilizado para se referir às novas tendências da formação de professores. A palavra reflexão, vem do verbo latino reflectere, que significa "voltar atrás". Ë portanto, repensar, retornar continuamente aos caminhos já percorridos, reconsiderar os dados disponíveis, reexaminar a prática pedagógica de forma crítica e criteriosa numa busca constante de significado.
Donald Schon (1), em La Formacion Profesionales Reflexivos (1992), busca explicar a natureza prática da atividade pedagógica e sintetiza o seu pensamento ao defender que a formação inclua forte componente de reflexão a partir de situações práticas reais. É este, segundo ele, a via possível para um professor aprimorar a sua prática e desenvolver a sua capacidade reflexiva, utilizando no contexto, utilizando no contexto da sala de aula os conhecimentos pedagógicos construídos nos encontros de formação.
Uma formação que destaca o valor da prática como elemento de análise e reflexão do professor não o vê como um técnico que tem de obedecer às orientações dos especialistas, mas como um profissional crítico e reflexivo. Ao tornar-se próxima dos problemas reais do professor, a formação assume uma dimensão participativa e investigativa
Através do diálogo com a própria ação, da discussão – momento de uma interlocução questionadora- e do desejo de compartilhar a prática, de onde surge a necessidade legítima das contribuições teóricas apresentadas pelo formador.
Buscando consonância com essa concepção, os projetos de formação que temos desenvolvido estão apoiados em dois importantes princípios. Um deles é que o processo de compreender e melhorar a prática deve valorizar a reflexão sobre a própria experiência dos professores, utilizando aquilo que já conhecem como ponto de partida para a nova aprendizagem. O outro princípio é o de que o conhecimento teórico precisa ser apropriado construtivamente pelos profissionais por meio de constante análise e registro da prática.
No processo de construção de conhecimentos pelo professor, a importância de partir de sua prática e dos conhecimentos prévios que ela traduz está relacionada a uma concepção de aprendizagem diferente de uma perspectiva de acumulação de conhecimentos. Utilizando um princípio coerente com a concepção de aprendizagem assumida para o trabalho como as crianças, partimos da hipótese de que as aprendizagens são reorganizações constantes e aproximações sucessivas como objeto a conhecer. Assim, os professores são colocados em um contexto de aprendizagem e aprendem a fazer fazendo: errando, acertando, tendo problemas a resolver, discutindo, construindo hipóteses, observando, revendo, argumentando, tomando decisões, pesquisando.
Para isso, utilizamos como principal estratégia formativa a tematização da prática pedagógica. Isso envolve a utilização de diferentes recursos para trazer a experiência prática para a análise coletiva: os professores apresentam situações didáticas ou produções das crianças para serem tematizadas; o formador leva situações simuladas, ou de outros professores que forneçam material para reflexão. Nesses casos, a utilização de situações gravadas em vídeo é muito interessante, pois permite organizar a discussão a partir de imagens previamente selecionadas.
Conforme os professores apresentam os trabalhos desenvolvidos em sala, as dificuldades e os obstáculos encontrados na realização das atividades com as crianças, o formador propicia a reflexão e o debate. Os comentários e as perguntas dos professores ajudam a estabelecer a relação da prática com a teoria para fundamentar a discussão e a programação de atividades mais adequadas às necessidades de aprendizagem das crianças.
Nos momentos de tematização de situações práticas os professores desenvolvem o pensamento prático-reflexivo e produzem conhecimento pedagógico quando investigam, vêem as coisas sob diferentes prismas, consideram aspectos aparentemente irrelevantes como muito importantes e vice-versa., problematizam, levantam hipóteses, identificam e nomeiam as dificuldades para buscar soluções e alternativas de ação, elaboram propostas de intervenção didática, refletem e discutem a adequação das mesmas etc. Deixam de ser somente receptores de informação, os professores convertem-se em participantes ativos, usando seus conhecimentos e experiências prévios, explicando suas crenças e valores pessoais.
A principal dificuldade que encontramos para a implantação de uma proposta como essa, é a necessidade de criação e estratégias didáticas próprias para a formação de professores, pois ainda sabemos pouco sobre como o professor aprende, o modo que tem de processar informações e como modifica seus esquemas de atuação. Esse tema requer maiores investigações, embora no campo da pesquisa já existam enfoques preocupados em superar esse problema.
A outra dificuldade que encontramos tem a ver com o tipo de cultura profissional que se desenvolveu no seio do professorado: ainda é difícil para o professor incluir-se como parte na avaliação dos sucessos ou insucessos de seus alunos e avaliar os seus processos de ensino. Enquanto outras profissões desenvolverm culturas profissionais mais avaliativas, com muita troca entre seus pares, a cultura que o professorado desenvolveu foi muito individual, muito solidária: o professor fechado em sua sala de aula. Sem contar as relações fortemente hierarquizadas e autoritárias dentro da escola, que se refletiam nas formas também autoritárias e estruturadas de avaliação e feedbacks para os professores: eram os inspetores, supervisores e outras pessoas que apareciam esporadicamente nas escolas para uma supervisão técnica, fato que serviu para que os professores se fechassem ainda mais.
Vemos como única possibilidade de mudança no futuro criar mecanismos para o desenvolvimento de uma cultura colaborativa nas escolas em que a reflexão sobre o próprio trabalho seja um de seus componentes. Falar de dificuldades perante os colegas, trocar idéias e contar com um clima de colaboração e mudança. Esse é o fator que consideramos de suma importância. Se queremos formar professores reflexivos temos de criar condições institucionais ( horários de reuniões, atitudes, espaços de interlocução e trocas) para que essas reflexões possam ocorrer. Só assim acreditamos ser possível reverter o investimento na formação de professores no desenvolvimento de um trabalho de maior qualidade junto às crianças que resulte na melhoria de suas aprendizagens
SCHON,Donald. La Formacion de Professionales Reflexivos. Barcelona. Ed Paidós. 1992. Schon é uma referência importante para essa perspectiva de formação. Ele propõe que estude o que se passa em diversos ambientes de aprendizagem profissional ( de artistas, músicos, arquitetos, engenheiros, professores, desportistas, etc ) . Nestas situações, constata que os profissionais aprendem a fazer fazendo e refletindo sobre os problemas, vendo-os sobre diferentes pontos de vista, compartilhando idéias com um orientador mais experiente, verificando a validade das soluções construídas e suas implicações, pesquisando etc

Fonte: www.corbellini.com.br/site/aprendizagem//formação_m.htm